11/JAN/18
O Papel do STJ nos Rumos do Agronegócio
O agronegócio, que representa importante fatia do PIB do país, tem sido forte propulsor da economia. Em momentos de crise, como nos últimos anos, foi o único setor a manter taxas de crescimento positivas. Ele é o grande responsável pelo fim da recessão econômica do país em 2017.
Diversos temas fundamentais para o setor têm sido decididos pelo Judiciário, com impacto diretamente em seu rumo. Não é raro, no entanto, que juízes interpretem diferentemente uma mesma lei e profiram decisões conflitantes sobre um mesmo tema.
Nesse contexto, a tarefa do Superior Tribunal de Justiça (STJ) é fundamental para a segurança jurídica. O papel do STJ tem reflexos no agronegócio. A Corte já firmou entendimento sobre casos controversos para o agribusiness.
As decisões do STJ podem impactar toda a cadeia do agronegócio e apontam em qual direção a lei deve ser aplicada pelos tribunais
Em recente decisão, por exemplo, o STJ pôs fim a uma polêmica que rondava o setor de armazenagem de grãos. O STJ decidiu que o juízo da recuperação judicial não é competente para julgar ações que versem sobre bens depositados nos armazéns da empresa em recuperação judicial. Para a Corte, os bens objeto do contrato de depósito não integram o patrimônio da recuperanda, razão pela qual a devolução dos produtos aos depositantes não se sujeita aos efeitos da recuperação judicial.
Segundo dados do Serasa Experian, somente em 2016, 1.863 empresas pediram recuperação judicial. A decisão do STJ serviu para dar segurança ao mercado de trading e armazenagem de grãos. A Corte garantiu aos depositantes que seus produtos serão devolvidos sem empecilhos, mesmo em casos de recuperação judicial ou falência da empresa depositária.
Além disso, a possibilidade de produtores rurais pessoas físicas poderem requerer recuperação judicial desponta como um dos grandes temas que podem ser decididos em breve no STJ. A discussão gira em torno da exigência ou não do registro do produtor rural na junta comercial para início do prazo de dois anos exigido pela Lei de Recuperação Judicial para sua concessão.
Como argumento para a exigência do registro prévio, os credores dos produtores rurais alegam que o registro na junta comercial lhes dá a segurança. Isso porque podem saber a partir de qual momento o produtor rural poderá ser considerado empresário e requerer sua recuperação judicial, com todas as suas consequências para o pagamento das dívidas. O mesmo argumento vale para que o STJ preserve os negócios firmados anteriormente ao registro, com as pessoas físicas dos produtores rurais.
Sem prejuízo da relevância do enfrentamento da questão por parte do STJ, a insegurança jurídica ainda poderá permanecer no caso de ficar em aberto tal matéria na revisão da Lei nº 11.101/2005, uma vez que estão em tramitação no Congresso Nacional o PL 7158/2017, apenso ao PL 6279/2013, da Câmara dos Deputados e o PL do Senado nº 76, de 2015, onde há expressa previsão acerca da alteração da lei, a fim de permitir, sem requisito adicional, a recuperação judicial de produtor rural.
A indefinição da discussão, seja no âmbito do Poder Judiciário ou mesmo na seara do Poder Legislativo, traz incerteza que prejudica a todos os players na cadeia do agronegócio, impactando os custos para a concessão do já escasso crédito para viabilizar a formação das lavouras.
Outro grande tema enfrentado pelo STJ, com grande repercussão no agronegócio nacional, foi a controvérsia em torno da possibilidade de produtores rurais e suas associações emitirem Cédula de Produto Rural (CPR) sem que a credora antecipe valores pelo produto.
Segundo o STJ, mesmo sem antecipação do pagamento do preço, a CPR pode ser validamente emitida. A decisão é relevante porque a CPR é o principal título de crédito do agronegócio, permite outorga de garantias a baixo custo de registro e a prática de sua emissão sem adiantamento financeiro é largamente utilizada no setor, especialmente em operações estruturadas e como garantia de financiamentos e contratos comerciais.
Em outra importante decisão, o STJ concluiu que, quando o arrendatário de propriedade rural é empresa de grande porte, o direito de preferência para aquisição do imóvel arrendado não se aplica. É um importante precedente que parece acabar com o anacronismo do Estatuto da Terra. O STJ sinalizou, com a decisão, que as garantias previstas no Estatuto da Terra, como o direito de preferência, não devem ser estendidas às grandes empresas rurais. Este posicionamento, combinado com outros julgamentos e com o desenvolvimento do agronegócio nos últimos 50 anos, apenas reforça a necessidade de atualização deste importante marco legal, publicado em meados da década de 60.
As decisões do STJ podem impactar diretamente toda a cadeia do agronegócio nacional. São decisões que apontam em qual direção a lei deve ser aplicada pelos demais tribunais e que, muitas vezes, fazem com que os players do setor tenham que readequar suas práticas comerciais. Não é simples a tarefa do STJ, que deve ter a sensibilidade ao julgar o tema. Afinal, quanto mais segura e correta a aplicação das leis, mais propício o ambiente jurídico e econômico dos negócios.
Antonio Carlos de Oliveira Freitas, Nancy Gombossy de Melo Franco e Rafael Molinari Rodrigues são advogados, membros efetivos da Comissão de Agronegócio e Relações Agrárias da Ordem dos Advogados do Brasil – Seção São Paulo -(OAB-SP)
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Fonte: Valor | Por Antonio Freitas, Nancy Gombossy e Rafael Molinari